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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Geração coca-cola

Por Angélica Menezes

Quando pensamos em música erudita brasileira, não podemos dissociar da idéia de “tradição”. Que tradição temos nós, um país tomado de assalto, colonizado, invadido, modelado, mas nem por isso cuidado? Como comparar a nossa pseudo “tradição”, desse país de pouco mais de 500 anos, àquela que nasceu na antiguidade, num continente – diga-se de passagem – distante daqui?
Pois eu digo que há aqui quem faça as coisas acontecerem. O que é preciso entender, é que nossa história é recente demais para esperar a mesma magnitude da música ocidental, que tem três mil anos de história. Claro que há diversos fatores envolvidos: valores culturais, sociais, econômicos, étnicos e – pelo menos no nosso caso – principalmente políticos. Falta vontade política? Se falta! Falta competência administrativa? Melhor não comentar. Falta vontade artística? As vezes sim. Mas nós somos a nova geração, e, olhando algumas décadas no passado, observamos algumas diferenças fundamentais.
Nós pertencemos a uma geração que não tem medo de ousar, de aprender, de estar aberto a tudo que vai nos tornar profissionais, artistas e seres humanos melhores. Nós nos matamos para fazer curso superior (e nos matamos mais ainda para conseguir sair dele dignamente), para pagar aulas caras com aquele professor fantástico; arrancamos os cabelos com pilhas de métodos de solfejo, harmonia, downloads e mais downloads de repertório; pilhas de livros, chamados carinhosamente de “bibliografia básica”. Até aprendemos contraponto! Para que? Eu não sei, mas pelo menos consigo apreciar a genialidade de um Claudio Monteverdi. Isso garante profissionalismo? De jeito nenhum. O que garante é a vontade, é saber o que fazer com essas ferramentas, é não ter medo de aprender, é nunca achar que chegou à perfeição.
São os parâmetros que mudam. E por isso digo que estamos no caminho certo. A passos de tartaruga, mas vamos abrindo nossos espaços e nossos caminhos. Antes bastava ter um vozeirão de Maria Callas ou de Caruso, e aprender um papel ouvindo o cd (ou melhor, LP). Hoje, mesmo as vozes em formação se emprenham em aprender, não só a ser músico, mas a ser artista; a atuar, além de cantar. É técnica aliada à emoção, já dizia Stanislasvki. O cantor do futuro se entrega à obra e ao personagem, não tem medo de se abandonar em nome deles. Ele entende que é em nome da obra que ele está ali, e não em nome de si próprio. Estamos mais exigentes enquanto platéia, inclusive; começamos a estabelecer outros padrões. Os primeiros passos já foram dados. É unanime? Quiséramos nós...Ainda existe muito cantor lírico que é só isso. Cantor. Engraçado, porque ópera é teatro. Então, ser cantor de ópera significa também ser ator. Da minha parte, acredito piamente na lei da Seleção Natural...
Cantores que atuam, músicos que não se contentam em ser “mais ou menos”. Esse é o futuro de nossa música erudita, essa é a geração coca-cola. Artistas mais bem formados – e informados – não se deixam explorar, e precisam de encenadores capazes de acompanhar tal crescimento. Artistas e encenadores unidos pela obra levam à espetáculos que precisam de espaço, apoio e investimento adequado. Tudo acontece em várias esferas. Como diz o ditado, uma andorinha só não faz verão. E é aí que empacamos. Nem todas as esferas estão no mesmo ritmo.
Politicagem a parte, começam a se ditar novos parâmetros. E quem empacar no meio do caminho, será atropelado! Três vivas à música e ao profissional de música brasileiros!

domingo, 7 de novembro de 2010

A Síndrome

Por Angélica Menezes

Dia desses levei aos meus alunos trechos de Carmen e A Flauta Mágica. Nosso trabalho era traçar o perfil das personagens Carmen e Rainha da noite, observando como o corpo das cantoras-atrizes relacionava-se ao personagem que interpretavam. Logo nos primeiros minutos, um aluno – a grande maioria deles nunca tinha visto ópera, nem mesmo pela TV – pergunta: mas professora, é música ou é teatro? Não precisou muito para descobrirem que ópera é efetivamente a junção dos dois. Obrigatória e inseparavelmente.
É triste pensar que muitos de nossos talentosos representantes da cena lírica não entendam isso, e que ainda hoje somos obrigados a ouvir por aí: ah, mas eu não sou ator, sou cantor. Então tá, querido (a), me diz uma coisa: você tá interpretando algum personagem, ou é só você mesmo? Porque se for só isso então não quero, não. Me chama de novo quando for cantar com piano algum ciclo aí ou um recital de música brasileira, que assim nem preciso me esforçar pra entender o que está dizendo (ou não, depende da dicção...). Se é opera eu quero ver a personagem. E nem me venha com esse super agudo brilhante e “coberto” feito por um corpo inexistente em cena, que podia ser uma porta ou uma árvore, e ia dar no mesmo. Ai, se as árvores cantassem...ia ter muito cantor lírico sem emprego.
Penso, porém, que uma nova geração de cantatores e cantatrizes vem surgindo. Há tempos que, na Europa, as tradicionais montagens cantor-estátua dão lugar a montagens onde o trabalho corporal e cênico do cantor é tão importante quanto o trabalho vocal. E cada vez mais cresce a consciência do cantor em relação a isso (graças!). Basta lembrar que os grandes encenadores do século XX utilizaram-se da ópera como laboratório. Para Craig, o verdadeiro teatro incluía música; Ronconi teve sua trajetória marcada pela encenação de óperas; Wieland Wagner dirigiu montagens de Richard Wagner. Para o teatro do século XX, a utilização do material sonoro unifica todos os elementos do espetáculo. É claro pensar que a ópera seja, então, o laboratório perfeito. Nesse sentido cabe relacionar a importância do trabalho de Grotowski, em que o teatro acontece no corpo do ator, e todo o resto é acessório. Logicamente que, para isso, o ator precisa ter consciência do seu corpo.
A ópera já nasceu unindo drama e música; desde as aspirações da Camerata Bardi, inspiradas nos melodramas gregos. De Monteverdi a Wagner, o que vemos é um espetáculo onde a música é o meio sonoro utilizado, mas a cena está lá: personagens, suas histórias, enredo, ambiente, tempo etc. A pergunta que não quer calar é: por que (POR QUE??!!) ainda há cantores que se orgulham em abrir a boca e dizer orgulhosa, porém ignorantemente, que não é ator, e sim cantor? É a síndrome do cantor-estátua-minha-voz-me-basta. Será que isso tem cura?
Particularmente me incomodam cada vez mais essas montagens tão chulas, nesse sentido. O que vemos são cantores (e público, lógico) delirando em cadências maravilhosas que terminam num do5, mas onde a atuação desse mesmo cantor se limita a exibicionismo vocal, ou – o que é bem pior – a uma representação patética, que nada mais é que uma colagem de gestos e ações prontas, copiadas das dezenas de versões que os cantores assistem antes de “comporem seus personagens”, e vendidas como autênticas interpretações. Hein? Autênticas?
A esse respeito, voltemo-nos a W. Wagner, aquele encenador, ou como gostam de chamar alguns entendidos do assunto, regisseur, que afirma que “a representação do ator-cantor baseia-se mais na atitude signo, no gesto único carregado de um máximo de eficiência expressiva, do que num movimento cuja agitação não consegue camuflar os estereótipos” (ROUBINE, J. J. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 1998, pág. 148). E bota estereótipo nisso!
Mas o buraco é bem mais embaixo. Estamos cercados de regisseures que não fazem idéia de como lidar com essa coisa complexa que é montar uma ópera, e, na ausência dessa idéia, ficamos eternamente presos ao “tradicional”, ou seja lá que nome tenha. É preciso, antes de tudo, que haja diretores conscientes e dispostos a mudar a situação, e tirar essas montagens dessa estagnação cênica na qual nos encontramos. Não que não haja, mas é preciso que isso se torne um padrão! Eles também precisam tratar o cantor como ator, sim, e não se intimidar pelo ego de muitos deles (e bota ego nisso!).
Enfim, amigos cantatores, é preciso que comecemos a mudar nossas mentes nesse sentido, e nos convencermos de que nossas vozes não nos basta, quando o assunto é interpretação. A ação é fundamental, e toda ação começa no corpo. Vamos nos livrar da síndrome do cantor-estátua-minha-voz-me-basta!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Jovens formiguinhas


Por Angélica Menezes

Parafraseando Oscar Wilde, não somos jovens o bastante para saber tudo. Penso que esse é o sentimento que nos move a todos em busca do crescimento, em todos os sentidos possíveis.

Repensando nossa vida profissional, algumas questões vêm logo à mente, e não há meios de fugir delas. Uma é no sentido pessoal: que tipo de profissional eu sou, e o que faço para ser um profissional cada vez melhor? Outra é no sentido geral: o que fazemos – todos nós – pelo nosso meio profissional; quanto realmente estamos unidos trabalhando por um bem comum? Outra ainda, e talvez mais importante, como se mede o nosso amor à arte que praticamos? Como pesar o que tem maior ou menor relevância na construção desse caminho? E uma outra questão é a visão do outro: como o outro vê o meu trabalho, o seu trabalho e o nosso trabalho? Até que ponto nós, individualmente, trabalhamos juntos? Será que depende mais de mim do que do outro? Ou a proporção é a mesma? Valendo-me dessa vez da história da formiguinha, que trabalhou junto com suas companheiras o verão inteiro para não morrerem de fome no inverno, e do gafanhoto, que nada fez e no fim dependeu da ajuda das formigas para não morrer, fico pensando no papel que ocupamos: somos formiga ou gafanhoto?

Em qualquer profissão, experiência é algo que se constrói gradativamente; somente o tempo poderá devolver o que investimos. Logicamente, esse processo se faz de escolhas. Escolhas que nos levam aos mais diversos caminhos, bons ou ruins, e que a própria vida nos ensina a selecionar o que não serve. Caminhos esses fáceis ou difíceis. Não é só errando que se aprende; o aprendizado pode sim ser prazeroso, pode vir do (e com o) sucesso, sem termos que necessariamente sofrer por isso. Mas o mais importante é ousar. É estar disponível. É aceitar que nunca seremos jovens o bastante para sabermos tudo, e que uma formiguinha só não faz inverno. É trabalhar por amor, antes de trabalhar por dinheiro, mas nem por isso se deixar explorar. Às vezes o pagamento é muito maior do que qualquer moeda pode pagar: é aquela sensação de “dei o melhor de mim, e valeu muito a pena”. É nos abraçarmos e deixar que as lágrimas rolem de emoção por ver quanto de nossa energia espalhamos para o mundo, quanto devolvemos a ele do que a vida generosamente nos dá, e que marca estamos deixando nele.

Entre sermos jovens, formigas ou gafanhotos, sejamos então não tão jovens, mas eternamente aprendizes, e eternamente formigas.

Para onde vai o Teatro Municipal?

Títulos possíveis:
Para onde vai o Teatro Municipal?
Ou Samba de criolo doido, ou ainda Salve-se quem puder


Por Angélica Mz

O TMSP é uma verdadeira casa da mãe Joana. O maestro Neschling só põe em palavras os pensamentos de todos nós músicos, que presenciamos a cena lírica brasileira afundar cada vez mais por absoluta incompetência administrativa. Com o devido respeito que permite a minha educação à diretora do TMSP, existe uma singela diferença entre Villa-Lobos e Alban Berg. Além disso, alguém que admite sua ignorância musical faz o que no posto de diretora de uma casa de ópera?

Os músicos, excelentes profissionais que há anos se dedicam àquele teatro, mereciam o mínimo de respeito, mereciam ser ouvidos, ter sua opinião considerada enquanto profissionais e verdadeiros responsáveis pelo sucesso ou não das temporadas do Teatro. Ao contrário, estão calados, sem direitos que lhes garantam o poder de manifestar-se, à mercê de administrações incompetentes, e a anos e anos de descaso com um teatro tão importante quanto é o paulista. Quando é que se compreenderá que música se faz com músicos, em todos os níveis, inclusive administrativos? Só nos resta torcer para que essa famigerada 'fundação' aconteça para o bem, para tornar essa casa ideal tanto para seu público quanto para seus profissionais, e não como gabinete de empregos para parentes de políticos.

Não adianta vir a Sr diretora nos convencer da maravilha administrativa que é o TM e do que internamente está sendo feito, se o público há meses não assiste uma montagem sequer; se sua orquestra enfrenta uma crise interna e se seu coro termina o ano cantando “pinheirinhos que alegria” na Sala São Paulo...Onde está tal brilhantismo? Na falta de direitos trabalhistas dos músicos? Na ausência de temporada, de organização, de seriedade? Ou nos cargos administrativos ocupados por ‘profissionais’ que acham que tocar Berg é o mesmo que tocar Villa-Lobos?

Por uma administração musical para o TMSP!Pela união da classe musicista, que cada vez mais necessita unir forças para transformar a realidade de nossa vida artística!

http://semibreves.wordpress.com/2010/06/17/repensando-o-teatro-municipal/#comment-107

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A MUDANÇA QUE VEM COM O EXEMPLO

por Fernando Ribeiro

Há um vídeo muito interessante no YouTube* que demonstra como é forte o poder do exemplo. Nele, várias crianças imitam seus pais em diversas situações, destacando como muitas vezes é poderosa e marcante a influência de nossas ações sobre os outros. Esse tipo de comprovação me dá respaldo e convicção de que o mesmo é aplicável nas nossas atitudes enquanto profissionais do canto. Além dos diálogos e mobilizações, há muito poder na forma como nos posicionamos frente às inúmeras situações com as quais nos defrontamos no dia-a-dia da nossa profissão.

Muitos já passaram por esta situação: você recebe um telefonema e Fulano, do outro lado da linha, o convida para cantar em um casamento.

E só.

Nenhuma menção sobre valores, repertório, etc... E o pior é que, muitas vezes, o cantor aceita assim mesmo, às cegas. Em que realidade isso pode soar plausível? Nem em universo alternativo de gibi de super-herói!

Existe um modo de se proceder que herdamos/aprendemos/assimilamos das outras gerações, é fato (olha aí a história do exemplo!). Acredito, porém, que se desejamos mudanças para melhor, é necessário assumir conscientemente essa mudança, com tudo e de bom e de ruim que estiver associado a isto. O que é assumir conscientemente? É mudar de conduta não tanto por uma imposição exterior, mas principalmente por um desejo pessoal. É não influenciar-se pelo Zeca Pagodinho e seu “deixa a vida me levar”. Parece-me razoável inferir que uma ideia assim, propagada e experimentada por cada um, só pode gerar um círculo virtuoso.

Recentemente tornei a ler um livro de um pensador francês que admiro muito, chamado André Comte-Sponville. Lá, ele fala sobre como nutrir esperanças nos afasta mais ainda de viver uma vida feliz. Acertadamente, o título da obra em questão é A Felicidade, desesperadamente, ou seja, sem esperar por nada que esteja além das nossas possibilidades. E como chegar a isto, ou o que isto pode ter a ver com o assunto sobre o qual falei até agora? Bem, ele afirma que não dá pra simplesmente abandonar este velho hábito: é algo que faz parte da condição humana. No entanto, não se trata disso, de procurar meios de eliminar essa parte ruim de nosso aspecto. Seria mais no sentido de desenvolver, cultivar outras características positivas. Diz ele (o cito de memória): no plano teórico, trata-se de crer um pouco menos, e conhecer um pouco mais. No plano prático, político, trata-se de esperar um pouco menos e agir um pouco mais. No plano afetivo, trata-se de esperar um pouco menos, e amar melhor.

Conhecer, agir, amar: que esta seja uma divisa à qual nós cantores possamos sempre nos dirigir.

* http://www.youtube.com/watch?v=Xcdx3YrFBVE



Fernando Ribeiro é integrante do Voz Ativa Madrigal, do Núcleo Universitário de Ópera e estudante do último ano do bacharelado em Canto Lírico da Universidade de São Paulo. Contato: fhr1980@yahoo.com.br

terça-feira, 8 de junho de 2010

Grupo de discussões do Profissão: Cantor

Grupo de discussões do Profissão:cantor:

É so mandar um e-mail (em branco mesmo) para profissaocantor-subscribe@yahoogroups.com, ou entrar por uma conta do yahoo. Entrem! Esse será mais um canal de comunicação.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Por onde começar?

Fico cá eu pensando na nossa situação profissional, e me vem logo à mente: mas será que a culpa também não é nossa? Lá vão os por quês:
1. Nós fazemos audições sem saber nenhuma informação a respeito do trabalho. É como se algum desconhecido batesse à sua porta e dissesse: quer trabalhar comigo? E você simplesmente respondesse: claro! E seguisse o tal desconhecido, sem fazer qualquer pergunta.
2. Cantamos por cachês que não valem a pena em termos de valor, por causa do ‘contato’, ou por necessidade extrema mesmo. Mas, falando francamente: você confia num médico que cobra $10/h pela consulta? Eu não poria minha mão no fogo. Eu pensaria: esse cara não deve ter noção nenhuma de medicina...
3. Nós aceitamos cantar na base da “amizade”, sem nenhum contrato que legitime os direitos e deveres de contratado e contratante. Se o fulano não quiser te pagar, ou se qualquer coisa acontecer no meio do caminho, não há nada que lhe defenda, nada que você possa cobrar, nem mesmo o cachê, porque não há provas que você estivesse nesse trabalho. Se o cara não for idôneo e não quiser te pagar, não paga. E você não vai poder fazer nada além de ficar ligando pro cara pra cobrar. “E aí, quando cai o cachê”? Deveria haver ao menos um contrato padrão, um modelo pronto desses de internet, numa página só, que fosse alguma garantia legal de alguma coisa, e que ninguém aceitasse trabalhar sem garantias, como em qualquer profissão normal...
4. Ausência total de um órgão, associação, clã, gangue, ONG, partido, agremiação, sociedade, cooperativa, o que quer que seja que represente nossos direitos. Hipoteticamente existe um sindicato, mas...deixa pra lá. Carece que os músicos se unam, pintem a cara, façam um panelaço eletroacústico ou coisa do tipo, pra fazer valer nossos direitos profissionais. A questão é que primeiramente precisamos criá-los! E depois disso, um órgão competente (de preferência, não é?) que fiscalize, torne verdade e dê fé.
Mas eu acho mesmo que o primeiro passo é a conscientização, de nossa parte, primeiramente. O segundo passo é nos unirmos e descobrirmos formas de alcançar o que precisamos. Músicos eruditos de todo o país, uni-vos!

domingo, 30 de maio de 2010

Tabela de cachês, segundo a OMB

É fato que a Ordem dos Músicos do Brasil, criada em 1960, não fiscaliza devidamente se os Músicos estão realmente sendo respeitados em sua Ordem. Segundo a tabela de cachês do sindicato dos músicos, a paga por um casamento, por exemplo, para instrumentista E cantor, é $ 166. Algum cantor de coro de casamento ja ganhou esse cachê? Dêem uma olhada na tabela de cachês do sindicato dos músicos. Nos faz pensar: pra que mesmo serve a omb? Não há tanto trabalho assim. E se alguém te oferece $80 para cantar 40 minutinhos num casamento, tende-se a aceitar mesmo. Antes isso que ficar em casa né...esperando que alguém um dia apareça num casamento com o brasão da ordem no peito e diga para o dono do grupo:
- posso ver o cheque de pagamento dos músicos?
- ...
- ...
- ...
- (depois de olhar os cheques) O senhor está preso por descumprir a lei!

www.sindmussp.com.br/caches.asp

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Crônica de uma cantora lírica tupiniquim

por Angélica Menezes

Quero através desta expressar e dividir minhas indignações profissionais atuais. Eu, enquanto cantora lírica no país do rebolation, venho convocar meus companheiros e companheiras de classe operária – a musicista – nessa luta pelo reconhecimento de nosso valor profissional.

Só não quero ter que perder o dedinho, porque vai que isso afeta minha voz...Cantor tem dessas coisas; toma coca-cola quente (delíiiicia!!), porque gelado pode fazer mal, e o cara tem que cantar num concerto sábado. Melhor prevenir. Por via das dúvidas, melhor parar de tomar leite, comer chocolate, por causa do pigarro. Já que moramos numa cidade bem poluída, melhor tomar muita água mesmo, 5 goles a cada frase, pra sujeira sair vaso sanitário abaixo. Tem muito cantor hidráulico por aí. Conheço até um que tem um baita desvio de septo. O otorrino disse que não sabe como ele respira, melhor operar. “Não, doutor! Vai mexer com minha ressonância!”. E lá se vão noites e noites de respiração dificultosa, inalação, spray disso, remédio d’aquilo, chá de folha de sei-lá-o-que. Falaram que faz bem, Pavarotti fazia.

Mas o fato é, minha gente, que carece esclarecer e desmistificar um fato: cantor também é músico. Pronto, falei. Por que cargas d’água ainda (ainda!) se acha que nós abrimos a boca e cantamos, por pura inspiração divina ou alguma psicografia às avessas (ou psicofonia?). É certo que cantor não estuda 8 horas por dia, como muitos amigos instrumentistas por aí; até por que, se o infeliz faz isso, a carreira não dura um mês. É duro, gente, chama-se musculatura. Mas porque diabos a gente se acaba de estudar pra entrar numa universidade – pública, lógico. Desde quando músico tem dinheiro pra bancar faculdade? – passa horas estudando técnica vocal, história da música, harmonia, contraponto (sim, até isso! Vai que te contratam pra cantar ars antiqua ou algum moteto, madrigal por aí, a gente tem que estar pronto pra tudo hoje em dia! Time is Money!), análise...Análise! lembro que no 1º ano do Bacharelado em Música com habilitação em Canto e Arte Lírica... Uau! Vou escrever de novo porque esse título soa muito bonito, fala a verdade: Bacharelado em Música com habilitação em Canto e Arte Lírica...Mas voltando à análise, lembro-me de no meu inocente 1º ano surtar por causa da maldita análise. Quase fui eu própria para a análise. E o 4º ano? Recital de formatura! Tcc! Perdi uns bons 3 quilos, por causa do maldito fim de curso. O que minha nutricionista diria? “Você está abaixo do peso, garota! Vá fazer Engenharia e arranje um emprego!”. E lá vamos nós decorar canção em polonês, russo, tcheco, fora as normais, que cantor tem mais qu e obrigação de saber mesmo: italiano, inglês, latim, alemão, francês. E como é que raios eu vou saber como é que se pronuncia Ma pisen zás mi laskou zni kdyz stary den umira ? Dá-lhe transcrição fonética. Dois anos do Bacharelado em Música com habilitação em Canto e Arte Lírica para aprender os tais símbolos fonéticos universais. Benditos! Não fossem eles, o que seria de nós, pobres cantores, que inventamos de cantar em tcheco? Dvorak bem podia ter escrito as Canções Ciganas em italiano, latim.

Fora isso, o que dizer das horas em frente à tela do youtube, assistindo 40 versões diferentes daquela bendita ária que você vai cantar num concerto no município da Paçoquinha do Sul, que alguém te passou sabe deus como. “Não tem cachê não, mas vai ter lanche!”. E lá vamos nós, pelo menos fome não vamos passar, e ainda tem a boa (tomara) experiência de cantar com a tal orquestra juvenil da cidade de Paçoquinha do Sul. Vamos lá, somos todos estudantes! Eu mesma já fiz muita coisa de graça, por puro amor a arte e que me deram muito prazer e orgulho. Cantei uma vez a 9ª de Beethoven numa igrejinha m Santo André que tinha umas 1.500 pessoas empilhadas quase até o teto. Foi lindo! As lágrimas rolavam.

Então, depois de 4 anos que pareceram uma eternidade, fora os outros tantos e tantos anos que você estudou antes da Universidade – afinal, universidade, não é curso elementar, minha gente, já se entra lá sabendo – em que você estressou, arrancou os cabelos, entrou em pânico pela faringite que você pegou bem na semana do teu recital, depois de muito gastar com aula particular – e vai gastar pelo resto da vida, viu? Sinto muito dizer, é um aprendizado eterno. Ninguém simplesmente "se forma" – isso sem falar em fonoaudiólogo! Pelo amor, nem vou entrar nesse assunto. Cantor é cheio das crises: minha voz quebrou naquele mi 5 de 9 tempos que cantei no fim daquela ária do final do recital. No dia seguinte, lá está o infeliz sentado com um fio entrando pelo nariz e uma câmera na goela. Melhor prevenir. Por via das dúvidas, sai de casa naquele calor de 36 graus com uma echarpe enrolada no pescoço. Está um ventinho lá fora, melhor não pegar friagem. Então, depois de muito estudo, muito tempo, muito empenho, muito dinheiro gasto, vem a parte boa: vamos ganhar dinheiro com nossa arte! Mais que merecido, fala a verdade!

O bom é que as notícias circulam muito rápido: vai haver um teste para cantores para um coral sei la do que, sei la onde, sei la quanto. E lá você encontra todos os cantores da cidade, porque afinal, não tem tanto emprego assim, e quando aparece, vai todo mundo mesmo. Daí você prepara sua melhor ária, acorda as 6h da manhã, que é pra voz ‘subir’, veste roupa de audição e canta tudo. A grana era boa, mas você não passa. Tudo bem, haverá outros e lá estaremos todos novamente. Aí você passa! Olha, serão 58 ensaios, 12 apresentações e o cachê é $ 150. Daí você pensa: eu devia ter feito aquela análise no 1º ano do Bacharelado em Música com habilitação em Canto e Arte Lírica. Seria bem útil agora. Querem que você cante por $10 a hora, porque, afinal, é só abrir a boca e cantar, não precisa muita coisa. E você tem que engolir que aquele seu amigo violinista vai receber pelo mesmo trabalho, uns 2.500, com a diferença q ele vai ter menos da metade dos 58 ensaios, afinal ele é um profissional. É, quem mandou não estudar 8h por dia? O cara é músico, você é cantor. Singela diferença. Há? Velho mito de que qualquer um pode cantar, não discordo totalmente dessa ideia tão orfeônica, por assim dizer, salvas algumas considerações que aqui não cabem, mas se pretensamente se quer tirar a música erudita brasileira do amadorismo, há que se começar valorizando os profissionais da área, inclusive os incipientes. Ou vamos encher os palcos com pessoas da platéia que queiram ao invés de assistir, participar ativamente e fazer uma bela leitura a primei ra vista de um Verdi qualquer. Precisa ser músico não, nem cantor. É só abrir a boca e deixar a emoção fluir. O mais triste, se é possível imaginar, é que nós cantores temos a propensão de aceitar. Nesse ponto, meus amigos instrumentistas são bem mais unidos. Deu a hora do fim do ensaio, pegam seu instrumento e vão embora. Cantor fica lá tomando bronca de regente, assistente, produtor, diretor cênico, maquiador, figurinista, faxineira, cabeleireiro e quem mais estiver presente até a hora que alguém apagar a luz e fechar as portas do teatro e dispensar o coro. E não se atrase amanhã! 90 dias depois da última récita seu cachê de $200 estará a sua disposição. O que eu não entendo é porquê. Se a própria classe não se valoriza, quem valorizará? Se nós não assumirmos nossa postura de profissionais que somos, quando sairemos desse pseudo amadorismo? Desculpe-me, mas por $10 por hora eu fico em casa apreciando o DVD da mais nova montagem de Carmem que comprei, que, aliás, me custou $150, e vou aprender bastante com isso. Porque cantor não ‘assiste’ ópera, estuda as personagens, o enredo, a orquestração e todo o resto. Paga-se em média 10 vezes isso em míseros 60 minutos de uma aula de canto com um bom professor. Aula essa para a qual você precisa se preparar bem antes, ou ela vai ser ruim e você gastará dinheiro à toa. Ainda dá pra dar aquela estudadinha no modus novus antes de dormir. Um solfejinho nunca é demais, a gente tem que ler mesmo.

Apesar de tudo, eu acredito no futuro da nossa música erudita. Os teatros estão cada vez mais cheios, cada vez mais se investe em montagens de óperas, concertos, orquestras, formação de público. Só espero estar viva para usufruir disso.

É, acho que antes do mestrado eu faço aquela análise.