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quinta-feira, 15 de março de 2012

A “Técnica” e a Técnica Vocal.

Por Angélica Menezes

Num passado não muito distante, havia cantores no Brasil de voz fenomenal. Não que hoje não haja. Mas o que tínhamos eram cantores que aprendiam, vamos pôr nesses termos, na raça. Existiam mestres, que por sua vez também aprenderam naqueles termos, com outros grandes mestres, pela experiência.

Isso quer dizer que, antigamente, um bom professor de canto era aquele cantor de voz impressionante, que você admirava e o queria como mestre. Se deu certo pra ele, e você sendo seu discípulo, automaticamente dará certo pra você. Como uma fórmula do sucesso, que é transmitida de mestre para discípulo. Quem dera...

Sem negar, nem de longe, o valor dessas grandes vozes, o tempo, como é esperado que aconteça, tratou de mudar o rumo das coisas. A coisa tendeu para o lado profissionalizante. A razão: surgiram os cursos superiores de música, que são razoavelmente recentes. Surgiram os cursos não superiores, mas igualmente profissionalizantes. O que temos hoje é uma incipiente geração de músicos, que, é lógico pensar, substituirá aquela antiga geração, que busca uma formação mais profissionalizante. Não se contentam em ser grandes vozes, mas querem ser grandes intérpretes, músicos, com conhecimento técnico-acadêmico da coisa toda, que querem ir além da “intuição” e da “técnica do erro-acerto”.

Antigamente (ainda há mestres assim, claro), o professor mostrava: “é assim!” e o aluno imitava. O que esse mestre lhe transmite é sua própria experiência, à maneira como ele percebe. O problema nisso é que o que dá certo para um pode não dar certo para outro, por uma razão muito simples: somos organismos, sensações, músculos, estruturas, aparelhos diferentes. Não existem dois instrumentos iguais. Assim, pensando na funcionalidade, seria mais desejado que o mestre lhe explicasse tecnicamente, organicamente, anatômica e fisiologicamente esse processo, para que o aluno, a partir das próprias sensações, possa descobrir seus próprios caminhos. Assim o cantor descobre e desenvolve sua ‘personalidade vocal’, sem ser mera imitação do mestre, aprendendo na base do erro-acerto, do “uma hora sai”.

Respiração costuma ser um processo difícil de aprender. O problema é que tudo depende dela, então, não tem jeito... No começo eu ouvia coisas do tipo: não deixa a costela fechar. E eu pensava: como assim? Lógico que vai fechar, meu pulmão está esvaziando! Mas vá lá, vamos tentar. E, como essa colocação dá margem a várias interpretações, a primeira coisa que se “experimenta” é segurar, forçar as costelas para fora. Depois de um tempo, e um pouco de conhecimento sobre fisiologia, descobri que “forçar” a manutenção da abertura das costelas, causa uma pressão subglótica que, além de tencionar laringe e pescoço, impedindo a livre passagem do ar, segura a voz numa ressonância baixa e “entuba” o timbre pelo consequente endurecimento do palato mole. Aí a voz perde projeção porque a ressonância é dificultada, e o que podia ser fácil, parece impossível. Não, definitivamente esse não era o caminho.

Há, portanto, dois caminhos: o da intuição, onde você vai experimentando aleatoriamente, sem uma real consciência do processo, e a experimentação consciente. O primeiro caminho pode demorar muito, e depende, em certa medida, de sorte. O segundo caminho pode ser mais rápido, uma vez que você usa a fisiologia a seu favor, conscientemente. No fim, o que se busca são aquelas tais sensações e o bom resultado, lógico. Mas, sabendo-se o que se está fazendo, melhor.

Por outro lado, a técnica pela técnica não é nada desejável. De nada servem as ferramentas se não se sabe o que fazer com elas. Existem atualmente excelentes profissionais, em nível técnico mesmo, com muito conhecimento de causa e muitíssimo bem formados (e informados). Mas uma coisa é fato: nenhum profissional, por melhor que seja, vai poder ensinar alguém a ser músico. No máximo ele vai lhe dar as ferramentas certas, de resto, cada um que construa sua própria identidade.

Enfim, o futuro nos reserva profissionais bem mais completos; que são músicos-cantores-atores, educadores, encenadores... A música segue no caminho de se tornar uma profissão (de fato) reconhecida. Num futuro bem próximo, nenhum músico ouvirá de um advogado ou engenheiro: mas você não trabalha? Só vamos torcer para a indústria fonográfica e a mídia pararem de atrapalhar.

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