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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Geração coca-cola

Por Angélica Menezes

Quando pensamos em música erudita brasileira, não podemos dissociar da idéia de “tradição”. Que tradição temos nós, um país tomado de assalto, colonizado, invadido, modelado, mas nem por isso cuidado? Como comparar a nossa pseudo “tradição”, desse país de pouco mais de 500 anos, àquela que nasceu na antiguidade, num continente – diga-se de passagem – distante daqui?
Pois eu digo que há aqui quem faça as coisas acontecerem. O que é preciso entender, é que nossa história é recente demais para esperar a mesma magnitude da música ocidental, que tem três mil anos de história. Claro que há diversos fatores envolvidos: valores culturais, sociais, econômicos, étnicos e – pelo menos no nosso caso – principalmente políticos. Falta vontade política? Se falta! Falta competência administrativa? Melhor não comentar. Falta vontade artística? As vezes sim. Mas nós somos a nova geração, e, olhando algumas décadas no passado, observamos algumas diferenças fundamentais.
Nós pertencemos a uma geração que não tem medo de ousar, de aprender, de estar aberto a tudo que vai nos tornar profissionais, artistas e seres humanos melhores. Nós nos matamos para fazer curso superior (e nos matamos mais ainda para conseguir sair dele dignamente), para pagar aulas caras com aquele professor fantástico; arrancamos os cabelos com pilhas de métodos de solfejo, harmonia, downloads e mais downloads de repertório; pilhas de livros, chamados carinhosamente de “bibliografia básica”. Até aprendemos contraponto! Para que? Eu não sei, mas pelo menos consigo apreciar a genialidade de um Claudio Monteverdi. Isso garante profissionalismo? De jeito nenhum. O que garante é a vontade, é saber o que fazer com essas ferramentas, é não ter medo de aprender, é nunca achar que chegou à perfeição.
São os parâmetros que mudam. E por isso digo que estamos no caminho certo. A passos de tartaruga, mas vamos abrindo nossos espaços e nossos caminhos. Antes bastava ter um vozeirão de Maria Callas ou de Caruso, e aprender um papel ouvindo o cd (ou melhor, LP). Hoje, mesmo as vozes em formação se emprenham em aprender, não só a ser músico, mas a ser artista; a atuar, além de cantar. É técnica aliada à emoção, já dizia Stanislasvki. O cantor do futuro se entrega à obra e ao personagem, não tem medo de se abandonar em nome deles. Ele entende que é em nome da obra que ele está ali, e não em nome de si próprio. Estamos mais exigentes enquanto platéia, inclusive; começamos a estabelecer outros padrões. Os primeiros passos já foram dados. É unanime? Quiséramos nós...Ainda existe muito cantor lírico que é só isso. Cantor. Engraçado, porque ópera é teatro. Então, ser cantor de ópera significa também ser ator. Da minha parte, acredito piamente na lei da Seleção Natural...
Cantores que atuam, músicos que não se contentam em ser “mais ou menos”. Esse é o futuro de nossa música erudita, essa é a geração coca-cola. Artistas mais bem formados – e informados – não se deixam explorar, e precisam de encenadores capazes de acompanhar tal crescimento. Artistas e encenadores unidos pela obra levam à espetáculos que precisam de espaço, apoio e investimento adequado. Tudo acontece em várias esferas. Como diz o ditado, uma andorinha só não faz verão. E é aí que empacamos. Nem todas as esferas estão no mesmo ritmo.
Politicagem a parte, começam a se ditar novos parâmetros. E quem empacar no meio do caminho, será atropelado! Três vivas à música e ao profissional de música brasileiros!